Ajudar ao próximo pode parecer um conceito simples. Alguém tem necessidade e, portanto, recebe o suporte de quem pode ajudar. Mas, a história nos conta que a ideia do auxílio ao necessitado mudou ao longo do tempo. É o que mostra o professor Luiz Fernando Saraiva, do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal Fluminense, em seu artigo “Da Caridade à Filantropia: a evolução do olhar para o outro no Brasil do século XIX”.
Segundo ele, as sociedades em geral sempre conviveram com o problema social da pobreza e da miséria e a resposta para isso foram as “instituições ancoradas na religião e no princípio cristão da caridade”. No Brasil especificamente esse papel ficou por conta das Santas Casas de Misericórdia, criadas por uma parcela rica da população e ancoradas em valores da moral cristã. Em seu artigo, o professor cita alguns dos compromissos firmados por essas instituições, como “ensinar os ignorantes”; “dar bom conselho” e “punir os transgressores com compreensão”.
O conceito de caridade começa a sofrer alguma modificação por causa das transformações pelas quais o mundo passou ao final do século XVIII. Segundo o professor, esse período trouxe novas formas de tratar a pobreza, a miséria e a mendicância a partir, por exemplo, da construção de associações de auxilio-mútuo e da filantropia. Foi quando surgiram as Caixas Econômicas, os montepios previdenciários e as associações científicas e filantrópicas.
Luiz explica que esse novo cenário marcou a “evolução do pensamento típico do Antigo Regime, que associava o tratamento da pobreza ao espírito de caridade cristã, para uma concepção mais racional, que tentava disciplinar mendigos e marginais através do trabalho e dos hábitos de economia”. Mas, o professor destaca que essas mudanças ainda não foram suficientes para desvincular a concepção religiosa da caridade no Brasil.
A mudança mais significativa no conceito da caridade acontece após a independência, quando há “uma grande efervescência do ponto de vista de associações mutuais, políticas, científicas e culturais”. Isso acontece por causa do ideário liberal e de livre-associação desse período.
“Diferentemente das instituições caritativas dos séculos anteriores, tais associações partiam do indivíduo (e não mais da Igreja ou religião) como princípio para o combate à pobreza, através da atuação em conjunto, mas para mitigar os sofrimentos impostos pela pobreza”, afirma Luiz no artigo.
A caridade foi gradativamente substituída pela filantropia. A ação cristã e piedosa em relação aos segmentos pobres e desfavorecidos materialmente deu lugar a uma concepção arrojada de direitos humanos fundamentais.
Impacto social hoje
Em entrevista ao Varejo Com Causa, Luiz Fernando Saraiva destacou que essa concepção atual de “empresa socialmente responsável e que devolve algo à sociedade porque tem um compromisso” é muito recente. Ele acredita que, mais do que um movimento do mercado, esse novo conceito é resultado da luta dos movimentos sociais nas últimas décadas.
Mas ele acredita que ainda é preciso avançar, uma vez que essa ideia da caridade como uma ação necessariamente religiosa ainda é muito presente na sociedade. “Ainda temos uma visão muito feudal, de missão de Deus ou, ainda, de ação de homens iluminados”, afirma.
Ele lembra, ainda, que é preciso cuidado para não reproduzir alguns erros do passado, como a noção de hierarquização que foi criada com a construção das primeiras instituições de suporte ao pobre, como as Santas Casas. Segundo ele, havia uma separação clara entre os “irmãos de condição menor” que precisavam dessa ajuda e os “de condição maior”, que financiavam as instituições.
“No século 19 eram os pobres e negros quem mais precisavam desse atendimento nas Santas Casas e eles eram tratados de maneira inferiorizada por conta disso”, explica. Um aprendizado para as organizações hoje que desejam fazer ações de impacto social: não há mais espaço para essa ideia de hierarquia, nem de imposição de ações. É fundamental incluir na construção dos projetos justamente quem será beneficiado por eles. “Não dá mais pra ir com aquela ideia de que ‘estamos chegando para trazer soluções para os seus problemas”, provoca Luiz.
Texto: Thaíne Belissa