A desigualdade de gênero no universo do trabalho voltou ao centro do debate nesta semana. O tema é a base dos trabalhos de Claudia Goldin, professora da Universidade Harvard que acaba de ganhar o Prêmio Nobel de Economia. Ela é a terceira mulher a ter esse reconhecimento, desde que o prêmio foi criado em 1969.
A pesquisadora investigou a jornada feminina no trabalho, analisando emprego e rendimentos ao longo do ciclo familiar e descobriu que as disparidades salariais entre homens e mulheres aumentam com a idade e flutuam ao longo da vida familiar.
Por exemplo, o nascimento de um filho muitas vezes retira essa mulher do mercado de trabalho ou a leva para uma carreira alternativa em que consiga conciliar com a maternidade. Na medida que os filhos crescem, elas aumentam a quantidade de horas trabalhadas, mas a diferença salarial entre mulheres e homens continua grande.
No artigo “Quando os filhos crescem: emprego e rendimentos das mulheres ao longo do ciclo de vida familiar”, Claudia Goldin mapeia três componentes da disparidade salarial entre homens e mulheres que têm filhos: a penalização da maternidade (mães ganham menos que mulheres que não são mães); o preço de ser mulher (homens ganham mais que mulheres); e o prêmio de paternidade (pais ganham mais que homens que não são pais).
Esses componentes explicam como a chegada de um filho penaliza a mulher no mercado de trabalho, levando-a a reduzir sua carga horária, mas dá aos homens a tranquilidade de serem pais, enquanto continuam a progredir nas suas carreiras porque as mulheres cuidam desproporcionalmente dos filhos.
Insatisfeitas e empobrecidas
A desigualdade de gênero no trabalho também foi um dos temas da pesquisa da Think Olga – laboratório de produção de conteúdos com foco em inovação social para as mulheres. Lançado há pouco mais de uma semana, o levantamento investigou as causas do esgotamento e adoecimento feminino, a partir de 1078 entrevistas com mulheres de 18 a 65 anos, em todos os estados do Brasil.
Segundo o estudo, a situação financeira e o trabalho são as áreas da vida que as brasileiras mais querem mudança: 60% desejam mudar a situação financeira e 30% querem mudanças no trabalho. A pesquisa também mostrou que 4 em cada 10 mulheres estão insatisfeitas com seu trabalho.
O estudo ainda traz uma reflexão sobre como essa desigualdade tem reflexo no empobrecimento das mulheres. A pesquisa cita um estudo da FGV que aponta a acentuação da feminização da fome no Brasil durante a pandemia.
A parcela de brasileiros que não teve dinheiro para alimentar a si ou a sua família subiu de 30% em 2019 para 36% em 2021. Mas esse aumento ficou, principalmente, entre as mulheres: um salto de 33% em 2019 para 47% em 2021. Entre homens permaneceu estável variando entre 27% e 26% no mesmo período.
Igualdade salarial é lei
A desigualdade salarial é uma dos principais problemas dentro da desigualdade de gênero no trabalho e também está em debate no governo federal. Há três meses o presidente Luiz Inácio Lula da Silva sancionou a lei que garante igualdade salarial entre homens e mulheres que exercem as mesmas funções. A determinação ainda aguarda regulamentação.
Mas, antes mesmo de ser lei, o tema já estava na mesa dos gestores mais preocupados com a representatividade, com a capacidade de inovação e a responsabilidade social de suas empresas. Um exemplo é a IBM Brasil, que desenvolveu uma solução de IA capaz de evitar que possíveis vieses inconscientes tragam distorções em salários, principalmente na comparação de gênero.
De acordo com o Líder de Recursos Humanos da IBM Brasil, Bernardo Marinho, a solução analisa dados como cargos, gênero, quanto tempo a pessoa está no cargo, qual o valor pago no mercado e, se encontrar disparidades, como um homem ganhando mais que uma mulher no mesmo cargo, a IA avisa ao gestor.
Patricia Schneider, sócia-diretora da Umanse – empresa que cuida de jornada do colaborador para o desenvolvimento de equipes de alta performance, sugere a criação de um comitê de recrutamento para impedir as discrepâncias salariais já na contratação dos funcionários. Além disso, ela lembra que é essencial o monitoramento constante com análise dos salários e investigação de como anda a progressão salarial.
“É importante analisar até o número de treinamentos que as pessoas receberam, pois o machismo é estrutural e pode influenciar na rotina da empresa. Por exemplo, de repente um homem evoluiu mais porque foi mais capacitado”, alerta.
Texto: Thaíne Belissa