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Como o impacto social está presente nos modelos de negócios, pesquisas acadêmicas e movimentos da sociedade civil organizada

Artigo: Os jovens vão salvar o mundo?

24/10/2023

Por Vanessa Henriques e Romy Aikawa– Instituto MOL

Que o nosso planeta precisa de ajuda, não restam dúvidas. O que preocupa é que os grandes problemas globais, como as mudanças climáticas, as desigualdades sociais e a escassez de recursos naturais, têm demandado ações cada vez mais abrangentes e urgentes para que não resultem em colapso. Mas, se por um lado, existe a consciência de que a responsabilidade por reverter esse cenário é de todos, por outro, há a expectativa de que são os jovens que vão salvar o planeta – o que, ao que tudo indica, é um equívoco.

Esse pensamento sobre a chamada geração Z surgiu da conjunção de dois fatores. Ela é a primeira de nativos digitais, ou seja, reúne pessoas que desde sempre têm acesso a informações via internet. Além disso, cresceu no período em que os debates sobre redução das emissões de gases de efeito estufa, consumo consciente e responsabilidade social ganharam amplitude. Conectados e conscientes, esses jovens, então, teriam enorme potencial para “se converter em ativistas radicais”, nas palavras de Marina Roale, head de pesquisas do grupo Consumoteca. Mas, segundo ela, “na verdade, eles se sentem impotentes”.

A sensação, segundo o estudo “Geração Ctrl+Z pelas lentes latinas” realizado pelo grupo, é explicada pelo contexto de crise econômica, social e política em que esses jovens estão chegando à vida adulta. E é por se verem em um mundo pouco favorável à prosperidade, onde precisam buscar a estabilidade que o contexto tirou de sua existência, que tendem a focar mais em si mesmos do que no bem estar social e ambiental. Tanto é que 42% veem o individualismo como uma das principais características de sua geração.

Outra característica marcante dos “Z’s” é a de serem consumistas: no Brasil, 57% concordam com a afirmação. Isso porque, para essa parcela da população, o consumo funciona como válvula de escape dos problemas cotidianos ou ato de autocuidado. No entanto, seu baixo poder de compra e a pouca expectativa financeira fazem com que a busca seja por pagar menos e comprar bem. “Como consumidores, eles gostam de marcas comprometidas com causas sociais, mas não colocam essa questão na frente de bons preços e pacotes de benefícios”, analisa Marina, derrubando a ideia de que seriam os salvadores do planeta.

Isso não significa que os jovens vejam os problemas de sustentabilidade ambiental e social sem preocupação. Eles pretendem ajudar da maneira que puderem, e uma delas é por meio de doações. De acordo com a última Pesquisa Doação Brasil, que reflete o ano de 2020, a única faixa etária na qual a concentração de doadores aumentou desde 2015 é a de pessoas entre 18 e 29 anos. Um total de 35% deles afirma ter feito algum tipo de doação. Nas outras faixas, o índice é de 38% entre as pessoas de 30 a 39 anos, 39% entre 40 e 49 anos, e 36% entre os que tem 50 anos ou mais.

No que se refere às marcas, os consumidores brasileiros em geral esperam que elas se engajem na agenda ESG com ações práticas e conteúdo sobre o tema. É o que mostra o estudo “ESG – A importância e os impactos da sigla pelas lentes de quem consome”. Em outro, “Varejo com Causa: como redes varejistas impulsionam doações no Brasil”, a percepção sobre o tema é semelhante: 73% dos entrevistados querem que as marcas atuem pelo bem da sociedade e do planeta.

O comportamento dos consumidores quanto à essas questões de sustentabilidade é algo que “faz parte do espírito do tempo”, como gosta de dizer Gabriel Rossi, sociólogo e professor da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM). “Hoje em dia, pessoas de diferentes idades conversam mais, e uma influencia a outra. Então, não dá mais para entender esse comportamento por geração”, comenta. O que se pode notar, segundo ele, é que o discurso, muitas vezes, não se aplica na prática.

Nesse sentido, o uso de mecanismos de doação em lojas pode contribuir para aumentar o apoio dos consumidores às diferentes demandas da sociedade. De acordo com a pesquisa “Varejo com Causa”, 78% dos não-doadores declaram que provavelmente passariam a doar se houvesse essa facilidade. “É uma forma prática de ajudar, e que faz os consumidores se sentirem melhor em relação aos problemas do mundo, ao mesmo tempo em que é positivo para as empresas porque as associam às causas”, pontua Gabriel.

Na opinião de Carlos Abras, coordenador de negócios e mobilização de recursos da Fundação SOS Mata Atlântica, organização da sociedade civil experiente no desenvolvimento de produtos sociais, o que engaja as diferentes gerações é a transparência. “Todas as iniciativas devem expressar a verdade sobre como a organização, seja pública ou privada, atua. A causa não deve servir ao marketing. É o marketing que serve a causa”, ensina.

Ele destaca que, embora não se possa generalizar, as gerações X, Y e Z estão um pouco à frente das demais quando se trata de desenvolver hábitos mais sustentáveis, principalmente em relação ao consumo. E conclui: “Não acho que uma determinada geração vai salvar o mundo. Ele não precisa de nós. Nós é que precisamos dele. Portanto, trata-se de nos salvarmos. Se a questão das mudanças climáticas é de origem coletiva, as soluções também devem ser”.

 

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