ME
NU

Notícias

Como o impacto social está presente nos modelos de negócios, pesquisas acadêmicas e movimentos da sociedade civil organizada

Limão em limonada: padrão global de reporte de ESG é oportunidade, diz sócio da PwC Brasil

15/12/2023

Que o ESG continuará como uma forte tendência em 2024 não é novidade: diversas pesquisas mostram que os temas da sustentabilidade, impacto social e governança estão entre as preocupações das empresas, investidores e consumidores. Mas, quais as principais oportunidades em torno do tema? E quais os desafios que ainda vão exigir maior esforço das corporações preocupadas com seu legado?

Para responder essas perguntas, o VAREJO COM CAUSA entrevistou Maurício Colombari, sócio da PwC Brasil e responsável por sustentabilidade e ESG na empresa. Durante a conversa ele comentou os resultados da Pesquisa Global de Investidores 2023, que acaba de ser lançada pela PwC e compartilhou suas perspectivas sobre o futuro do ESG no Brasil. Confira:

O Global Investor Survey 2023 da PwC mostrou que um dos tópicos de ESG que mais podem influenciar as decisões de investimento no futuro são os riscos regulatórios. Que riscos são esses?

O mundo tem uma série de regulamentações sendo discutidas em temáticas de sustentabilidade, começando pela forma como as empresas têm que reportar essas informações para o mercado. Sobre essa agenda de reporte de iniciativas de ESG, há iniciativas acontecendo na Europa, nos EUA e, no Brasil, as empresas de capital aberto vão ser obrigadas, a partir de 2026, a reportar de acordo com as normas internacionais de sustentabilidade. 

Há, também, a questão do mercado organizado de carbono, que no Brasil ainda não existe como em outras partes do mundo, mas já temos um projeto de lei nesse sentido e que pode afetar grandes empresas emissoras de gases de efeito estufa. Temos também outras regulamentações que vão requerer maior rastreabilidade dos produtos, além de uma pauta de compliance com temas trabalhistas, direitos dos consumidores, proteção de dados e tratamento de resíduos. É um arcabouço regulatório que traz preocupação aos investidores. Eles querem saber como as empresas estão preparadas para atender essas questões e a que riscos estão expostos, tanto do ponto de vista financeiro, quanto reputacional.

E esses desafios vão influenciar os investimentos em ESG?

Sim. O que as empresas precisarão fazer é demonstrar onde estão inseridas nesse contexto regulatório e passarem segurança aos investidores de que elas entendem os desafios e riscos de hoje e do futuro. Que elas estão se preparando para não serem pegas de surpresa com todos esses aspectos regulatórios que eu comentei.

Qual o lugar da questão climática nas preocupações com ESG nas corporações em 2024?

Esse é um tema presente nas preocupações das empresas, mas ainda existe a percepção de que é um assunto do futuro, que só vai acontecer daqui a 20 anos. E os temas do dia a dia, como taxa de juros, conflitos geopolíticos e segurança cibernética, passam na frente e se sobrepõem à questão climática. Esses temas que são mais do curto prazo acabam ficando no top 1, 2 e 3 da agenda e as mudanças climáticas ficam no meio daqueles temas em que as empresas se dizem “de olho”, mas ainda não é prioridade. 

Gradativamente essa preocupação vem subindo na agenda, principalmente por causa dos eventos climáticos extremos que vivemos, como as ondas de calor, queimadas, seca e chuvas. Isso tudo aumenta a preocupação dos investidores, mas ainda acho que esse tema devia ter mais atenção por parte das organizações, até porque se a gente não começar a tratá-lo com a devida urgência agora, daqui a 10 anos pode ser tarde demais. 

A pesquisa global com os investidores da PwC mostrou que 94% dos investidores entendem que os relatórios de sustentabilidade têm algum tipo de divulgação que não é suportada por ações efetivas. Ao mesmo tempo, outras pesquisas mostram um consumidor que questiona mais a autenticidade das ações de ESG. Nesse sentido, podemos pensar que uma nova forma de fazer report é uma tendência?

Sim, é uma tendência. Mas há uma diferença entre os reportes para investidores e consumidores. Para investidores estamos falando de um documento que segue normas internacionais de sustentabilidade, que informa os diferenciais das empresas tanto em questões financeiras, como em questões de sustentabilidade. Essas informações são padronizadas e transparentes e serão requeridas com esse novo padrão que vai dar mais confiabilidade e comparabilidade entre empresas para os investidores.

Já a comunicação com o público amplo é diferente. O consumidor não tem esse interesse de entrar na área de relacionamento com investidor, abrir um PDF de 100 folhas para entender a estratégia de sustentabilidade. Então, as empresas terão que descobrir novos caminhos para tirar esse aspecto mais técnico e abrir canais de comunicação que sejam transparentes e apresentem seus resultados de forma simples, direta, mas também legítima e consistente. Diferente do relatório pro investidor que tem um padrão, essa prestação de contas para o consumidor é mais complexa porque depende de uma estratégia de comunicação e de uma ação que traduza essas informações. 

Quais serão a zona espinhosa e o oceano azul do ESG em 2024?

A gestão da cadeia de valor é uma zona espinhosa. Na questão climática, por exemplo, você tem o escopo 1 de emissões de gases, que é o que a própria empresa emite e que pode ser algo pequeno. Mas também tem o escopo 3, que é tudo aquilo que a cadeia emitiu pra transferir o produto da indústria até o consumidor. Então, a dificuldade é que as estratégias de ESG transcendem os muros da organização, que precisa influenciar a cadeia, mas ao mesmo tempo não tem o controle sobre ela. Isso serve para a questão climática, mas também para boas práticas trabalhistas, diversidade e outros aspectos.

O oceano azul é essa questão do reporte para os investidores. As empresas têm a oportunidade de transformar o limão em limonada, reportando antecipadamente no novo padrão. Essas normas serão obrigatórias em 2026, mas voluntárias em 2024 e 2025 e as empresas que saírem na frente e tiverem bons relatórios podem ter ganho de imagem.

Esse será um tema só das grandes empresas?

Hoje nós temos uma ilha de excelência no Brasil. Ou seja, grandes empresas com excelentes práticas de ESG, enquanto as pequenas e médias tentam se encaixar nessa agenda. A questão do custo é uma preocupação das empresas menores, mas essa é uma questão que precisamos desmistificar: obviamente há questões que geram custos, mas é possível adotar boas práticas sem grandes investimentos. 

E também é importante compreender a importância daquilo que comentamos sobre a cadeia de valor: na medida que as grandes empresas avançam, elas influenciam as menores. Isso é essencial porque com a complexidade dos problemas que estamos vivendo cada um vai ter que fazer sua parte. E se eu ou você não fizermos nossa parte, alguém vai ter que fazer um pouco mais.

Diversas pesquisas mostram que o tema do ESG foi comprado pelo consumidor, mas ainda é algo mais da teoria do que da prática. As empresas já entenderam que elas terão que assumir esse compromisso, sem ficar esperando a mudança de comportamento do consumidor?

O interesse do consumidor pelo tema é crescente e isso vai gerar um efeito multiplicador que, em poucos anos, tomará uma proporção muito maior. Tem sempre esse questionamento sobre a real intenção do consumidor, mas as empresas que não adotam práticas de sustentabilidade, diversidade e outras nesse sentido já têm dificuldades tanto com o consumidor, como na atração de talentos. Então, eu acho que as empresas já entenderam que se elas não precisam esperar a consciência mais apurada do consumidor. Elas estão se adiantando, pensando na frente pra que quando essa consciência atingir maior maturidade, elas já estejam prontas.

GOSTOU?
FALE COM A GENTE
LEIA TAMBÉM